Sreeram Kannan: Construindo a camada de confiança do Ethereum

Apesar das controvérsias, EigenLayer permanece no centro da evolução do Ethereum.

Autor: Thejaswini M A

Tradução: Block unicorn

Introdução

O entrevistador do Caltech inclinou-se para frente e fez uma pergunta interessante.

“Suponha que eu lhe dê recursos ilimitados, talentos ilimitados e 30 anos de tempo. Você se tranca em um laboratório como um eremita. Após 30 anos, você sai e me conta o que inventou. O que você criaria?”

Na época, Kannan, um pesquisador de pós-doutorado que estava se candidatando a uma vaga de professor, ficou paralisado. Sua mente ficou em branco. A pergunta exigia que ele pensasse sem limites, em uma escala que nunca havia tentado antes. Por anos, ele vinha resolvendo problemas de genômica computacional, avançando gradualmente com base no conhecimento existente. Mas essa pergunta não tinha restrições. Sem limite de orçamento. Sem pressão de tempo. Sem escassez de talentos.

Havia apenas um requisito: o que você construiria se não houvesse nenhum obstáculo?

“Fiquei completamente chocado com a amplitude da pergunta”, lembra Kannan. O grau de liberdade o assustou. Ele não conseguiu a vaga no Caltech. Mas a pergunta plantou uma semente em sua mente, que mais tarde cresceria e se tornaria uma das inovações mais controversas do Ethereum — a EigenLayer.

No entanto, a jornada da sala de entrevistas do Caltech até operar uma empresa cripto avaliada em bilhões de dólares exigiu que Kannan respondesse a essa pergunta dos 30 anos em três estágios diferentes — e em cada novo estágio, sua resposta mudava.

Jornada acadêmica e transformação

Kannan cresceu em Chennai, no sul da Índia, onde a matemática pura despertou sua imaginação desde cedo. Ele permaneceu na Índia, cursando graduação no Guindy College of Engineering e participou do desenvolvimento do ANUSAT, o primeiro satélite miniaturizado projetado por estudantes indianos. Esse projeto despertou seu interesse por sistemas complexos e problemas de coordenação.

Em 2008, ele chegou aos Estados Unidos com apenas 40 dólares. Estudou engenharia de telecomunicações no Indian Institute of Science em Bangalore, depois obteve mestrado em matemática e doutorado em engenharia elétrica e de computação na University of Illinois em Urbana-Champaign.

Sua pesquisa de doutorado focou na teoria da informação em redes — como a informação flui através de redes de nós. Ele passou seis anos resolvendo problemas de longa data nesse campo. Quando finalmente os resolveu, apenas vinte pessoas de sua subárea notaram. O resto do mundo não se importou.

A decepção levou a uma reflexão. Ele sempre buscou a curiosidade e a beleza intelectual, não o impacto. Se você não busca deliberadamente, não pode esperar que a mudança no mundo real aconteça como um subproduto aleatório.

Ele desenhou um gráfico bidimensional. O eixo X representava profundidade técnica, o eixo Y impacto. Seu trabalho estava firmemente no quadrante de alta profundidade e baixo impacto. Era hora de seguir em frente.

Em 2012, ele assistiu a uma palestra sobre genômica sintética ministrada por Craig Venter, um dos fundadores do Projeto Genoma Humano. O campo estava criando novas espécies, discutindo a fabricação de robôs biológicos em vez de robôs mecânicos. Por que perder tempo otimizando a velocidade de download quando você pode reprogramar a própria vida?

Ele mudou completamente para a genômica computacional, focando nisso durante seus pós-doutorados em Berkeley e Stanford. Estudou algoritmos de sequenciamento de DNA, construindo modelos matemáticos para entender a estrutura genética.

Então, a inteligência artificial o surpreendeu. Um aluno sugeriu usar IA para resolver problemas de sequenciamento de DNA. Kannan recusou. Como redes neurais poderiam superar seus modelos matemáticos cuidadosamente projetados? O aluno construiu o modelo mesmo assim. Duas semanas depois, a IA superou o melhor benchmark de Kannan.

Isso transmitiu uma mensagem: em dez anos, a IA substituiria todos os seus algoritmos matemáticos. Tudo em que sua carreira se baseava se tornaria obsoleto.

Ele enfrentou uma escolha: mergulhar na biologia impulsionada por IA ou tentar uma nova direção. No fim, escolheu o novo.

Do búfalo à Terra

A pergunta do Caltech continuava a incomodá-lo. Não porque ele não pudesse respondê-la, mas porque nunca havia pensado assim antes. A maioria das pessoas trabalha incrementalmente. Você tem X habilidades e tenta construir X melhorias incrementais. Pequenos avanços sobre o que já existe.

A pergunta dos 30 anos exige um pensamento completamente diferente. Ela pede que você imagine um destino sem se preocupar com o caminho.

Em 2014, após se tornar professor assistente na University of Washington, Kannan definiu seu primeiro projeto de 30 anos: decifrar como a informação é armazenada em sistemas vivos. Ele reuniu colaboradores e fez progressos. Tudo parecia estar no caminho certo.

Então, em 2017, seu orientador de doutorado ligou para falar sobre bitcoin. Havia problemas de throughput e latência — exatamente o que Kannan havia estudado durante o doutorado.

Sua primeira reação? Por que ele abandonaria a genômica por “besteiras de apostas aleatórias”?

O encaixe tecnológico era óbvio, mas parecia distante de sua grande visão. Então, ele releu “Sapiens”, de Yuval Noah Harari. Um ponto o impressionou: os humanos são especiais não porque inovam ou são inteligentes, mas porque conseguem coordenar em grande escala.

Coordenação exige confiança. A internet conecta bilhões de pessoas, mas deixa uma lacuna. Permite comunicação instantânea entre continentes, mas não oferece mecanismos para garantir que as pessoas cumpram suas promessas. E-mails podem transmitir compromissos em milissegundos, mas a execução ainda depende de advogados, contratos e instituições centralizadas.

O blockchain preenche essa lacuna. Não são apenas bancos de dados ou moedas digitais, mas motores de execução de promessas codificadas. Pela primeira vez, estranhos podem firmar acordos vinculativos sem depender de bancos, governos ou plataformas. O código, por si só, responsabiliza as pessoas.

Isso se tornou o novo objetivo de 30 anos de Kannan: construir o motor de coordenação da humanidade.

Mas aqui, Kannan aprendeu algo que muitos acadêmicos ignoram. Ter uma visão de 30 anos não significa que você pode pular direto para ela. Você precisa conquistar vantagens para resolver problemas maiores.

Mover a Terra requer um milhão de vezes mais energia do que mover um búfalo. Se você quer, no fim, mover a Terra, não pode simplesmente anunciar esse objetivo e esperar receber recursos. Segundo Kannan, você precisa primeiro mover um búfalo. Depois, talvez um carro. Depois, um prédio. Depois, uma cidade. Cada sucesso lhe dá mais fichas para enfrentar o próximo desafio.

O mundo é assim por um motivo. Dar a alguém que nunca moveu um búfalo o poder de mover a Terra pode fazer o mundo explodir. A alavancagem incremental previne falhas catastróficas.

O primeiro projeto de Kannan para mover o búfalo foi o Trifecta. Ele e mais dois professores criaram uma blockchain de alta capacidade. Propuseram uma blockchain capaz de 100 mil transações por segundo. Mas ninguém financiou.

Por quê? Porque ninguém precisava disso. A equipe otimizou a tecnologia, mas não entendeu os incentivos do mercado ou quem seriam os clientes. Contrataram pessoas com a mesma mentalidade — todos doutores resolvendo problemas teóricos.

O Trifecta fracassou. Kannan voltou à academia e à pesquisa.

Então ele tentou novamente, criando um marketplace de NFT chamado Arctics. Ele havia sido conselheiro da Dapper Labs (operadora do NBA Top Shot). O setor de NFT parecia promissor. Mas, ao construir o marketplace, ele encontrou problemas de infraestrutura. Como obter oráculos de preço confiáveis para NFTs? Como fazer a ponte de NFTs entre diferentes blockchains? Como operar diferentes ambientes de execução?

Esse marketplace também fracassou. Ele não entendia a mentalidade dos traders de NFT. Se você não é seu próprio cliente, não consegue construir um produto significativo.

Cada problema exigia a mesma coisa: uma rede de confiança.

Ele deveria construir um oráculo? Uma ponte? Ou deveria construir o meta-objeto que resolve todos esses problemas — a própria rede de confiança?

Isso ele entendeu. Ele era exatamente o tipo de pessoa que construiria um oráculo ou uma ponte. Ele poderia ser seu próprio cliente.

Em julho de 2021, Kannan fundou a Eigen Labs. O nome vem do alemão “próprio”, significando que qualquer um pode construir o que quiser. O conceito central é permitir inovação aberta por meio de segurança compartilhada.

A inovação técnica é o “restaking”. Validadores do Ethereum bloqueiam ETH para proteger a rede. E se eles pudessem usar esses ativos simultaneamente para proteger outros protocolos? Novas blockchains ou serviços não precisariam construir seus próprios mecanismos de segurança do zero, mas poderiam aproveitar o conjunto de validadores já estabelecido do Ethereum.

Kannan apresentou essa ideia cinco vezes à a16z antes de conseguir financiamento. Uma das primeiras apresentações foi memorável pelos motivos errados. Kannan queria construir sobre Cardano, pois tinha uma capitalização de mercado de 80 bilhões de dólares, mas sem contratos inteligentes utilizáveis. Um sócio da a16z atendeu a ligação do lado de fora de uma conferência da Solana. A reação deles: isso é interessante. Por que Cardano?

O feedback forçou Kannan a pensar sobre foco. Startups são jogos exponenciais. Você quer transformar trabalho linear em impacto exponencial. Se acha que tem três ideias exponenciais, provavelmente não tem nenhuma. Você precisa escolher a de maior exponencialidade e ir com tudo.

Ele voltou o foco para o Ethereum. Essa decisão se mostrou correta. Em 2023, a EigenLayer levantou mais de 100 milhões de dólares de empresas como Andreessen Horowitz. O protocolo foi lançado em fases, atingindo um valor total bloqueado de até 20 bilhões de dólares.

Desenvolvedores começaram a construir “Active Validation Services” (AVS) na EigenLayer, desde camadas de disponibilidade de dados até redes de inferência de IA, cada uma podendo aproveitar o pool de segurança do Ethereum sem precisar construir validadores do zero.

No entanto, o sucesso também trouxe escrutínio. Em abril de 2024, a EigenLayer anunciou a distribuição de seu token EIGEN, o que gerou forte reação.

O airdrop bloqueou os tokens por meses, impedindo os destinatários de vender. Restrições geográficas excluíram usuários de jurisdições como EUA, Canadá e China. Muitos participantes iniciais (que depositaram bilhões de dólares) sentiram que a distribuição favoreceu insiders em vez da comunidade.

Essa reação pegou Kannan de surpresa. O valor total bloqueado do protocolo despencou 351 milhões de dólares, com usuários retirando fundos em protesto. A controvérsia expôs a diferença entre o pensamento acadêmico de Kannan e as expectativas do mundo cripto.

Em seguida, veio o escândalo de conflito de interesses. Em agosto de 2024, a CoinDesk noticiou que funcionários da Eigen Labs receberam quase 5 milhões de dólares em airdrops de projetos baseados na EigenLayer. Funcionários coletivamente reivindicaram centenas de milhares de tokens de projetos como EtherFi, Renzo e Altlayer. Pelo menos um projeto, sob pressão, incluiu funcionários em sua distribuição.

Essa revelação gerou acusações de que a EigenLayer estava prejudicando sua posição de “neutralidade confiável”, usando sua influência para recompensar projetos que distribuíam tokens a funcionários.

A Eigen Labs respondeu proibindo projetos do ecossistema de fazer airdrops para funcionários e implementando períodos de bloqueio. Mas sua reputação já havia sido afetada.

Apesar dessas controvérsias, a EigenLayer permanece no centro da evolução do Ethereum. O protocolo já estabeleceu parcerias com grandes players como Google Cloud e Coinbase, esta última atuando como operadora de nós.

A visão de Kannan vai muito além do restaking. “Cripto é nossa superestrada de coordenação”, diz ele. “Blockchain é um motor de promessas. Permite que você faça e cumpra promessas.”

Ele pensa em termos de quantidade, diversidade e verificabilidade. Quantas promessas os humanos podem fazer e cumprir? Quão diversas podem ser essas promessas? Com que facilidade podemos verificá-las?

“Este é um projeto louco, de cem anos”, diz Kannan. “Vai aprimorar a espécie humana.”

O protocolo lançou o EigenDA, um sistema de disponibilidade de dados projetado para lidar com todo o throughput das blockchains. A equipe introduziu mecanismos de governança subjetiva para resolver disputas que não podem ser verificadas apenas on-chain.

Mas Kannan admite que o trabalho está longe de terminar. “A menos que você consiga rodar educação e saúde on-chain, o trabalho não está feito. Ainda estamos longe.”

Seu método de construção combina visão de cima para baixo com execução de baixo para cima. Você precisa saber onde está a montanha-alvo. Mas também precisa encontrar a inclinação que leva do ponto onde você está hoje até lá.

“Se você não consegue fazer nada hoje com sua visão de longo prazo, ela não serve para nada”, explica.

A nuvem verificável é a próxima fronteira da EigenLayer. Serviços de nuvem tradicionais exigem confiar em Amazon, Google ou Microsoft. A versão de Kannan permite que qualquer um opere serviços de nuvem — armazenamento, computação, inferência de IA — e prove criptograficamente que executou corretamente. Validadores apostam em sua honestidade. Malfeitores perdem seu staking.

Na casa dos 40 anos, Kannan mantém o cargo de professor afiliado na University of Washington enquanto opera a Eigen Labs. Ele ainda publica pesquisas e pensa a partir da teoria da informação e de sistemas distribuídos.

Mas ele não é mais o acadêmico que não conseguia responder à pergunta dos 30 anos do Caltech. Agora, já respondeu três vezes — genômica, blockchain, motor de coordenação. Cada resposta se baseia nas lições aprendidas nas tentativas anteriores.

O búfalo já foi movido. O carro já está em movimento. O prédio também começou a se mover. Se ele conseguirá mover a Terra, ainda veremos. Mas Kannan entendeu algo que muitos acadêmicos nunca aprendem: o caminho para resolver grandes problemas começa resolvendo pequenos problemas e acumulando fichas para enfrentar desafios maiores.

Essa é a história do fundador da EigenLayer.